O produto importado é original, fabricado e colocado/disponibilizado pelo fabricante ou terceiro autorizado em um determinado mercado no exterior. Assim sendo, em ultima análise, ao tratar a questão de importação paralela, não se está diante de impedir uma enxurrada de produtos não originais no mercado, mas sim, dispor de elementos objetivos a impedir que terceiros não autorizados façam circular produtos originais ostentando marca registrada, sem a devida autorização.
A autorização tácita ocorre quando for deduzida de outros atos que lhe dão antecipada aprovação ou consentimento não dependendo de ato específico. Nesse passo, alguns julgados consideraram com certa ressalva como autorização tácita a importação realizada por terceiro, à margem da rede autorizada, por longos períodos de tempo sem que houvesse manifestação contrária do titular da marca ou do terceiro autorizado. Outra espécie de autorização tácita ocorre quando o Governo promove um ato público (consulta pública) vindo a editar portaria visando conceder ou prorrogar autorização para importação de máquinas destinadas à reconstrução no país, normalmente exarada pelo Departamento de Operação de Comércio Exterior da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Em verdade, muito longe de propor uma solução definitiva para a quaestio, ao nosso sentir, é preciso considerar a tensão constitucional existente entre o interesse público e o interesse privado para melhor analisar o ponto controvertido resumido na presente hipótese. A partir de então, nossa proposta de raciocínio sobre a matéria visa um aprofundamento do estudo em questão, sustentando que não se deveria considerar “apenas” a autorização ou não do titular da marca para que terceiros importem, nacionalizem e comercializem produtos originais a margem da rede autorizada. Isto porque o direito de propriedade atribuído à uma determinada marca registrada, nos termos do artigo 129 caput da lei nº 9.279/96, embora erga omnes é relativizado por ter que atender a sua função social (inciso XXIII do artigo 5º da CRFB)
terceiros comercializem estes ostentando marca de titularidade daquele, se o titular, através de sua marca, atende a exigência da “contra partida social” ou, em outras palavras, se através de sua marca registrada o titular atende aos <i>requisitos cumulativos do interesse social E o desenvolvimento tecnológico e econômico do País previstos na lei. (artigo 2º e incisos da lei nº 9.279/96) Produtos como equipamentos de informática e eletrônicos, por exemplo, apresentam características que se amoldam com justeza ao ponto acima deduzido. Não raro as vezes, impressoras e câmeras de fotografia são importadas pela rede autorizada totalmente prontas para ingresso no mercado varejista. Entretanto, não resta a menor dúvida de que melhor seria para o País se fosse criada uma fábrica (usinagem e/ou montagem) para que as linhas de produção desses mesmos produtos fossem feitas e/ou realizadas em território nacional gerando assim empregos e qualificando a mão de obra nacional através da transferência de tecnologia.
E é justamente nesse ponto que sustentamos haver uma tensão constitucional entre o direito de propriedade da marca e a observância à sua função social, pois, o exercício legítimo de tal direito não deve se sobrepor ao interesse da coletividade especificamente quanto aos aspectos insertos na lei.
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Trata-se de uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira sendo-lhe assegurada as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de suas atribuições. É, nesse passo, o órgão para o qual toda a indústria farmacêutica e afins tem que submeter seus pleitos, de modo a exercer suas respectivas atividades econômicas. Decerto que o exercício de suas atribuições não ocorre de qualquer forma, deve ocorrer buscando sempre e tão somente o interesse público, pautados nos limites do dever-poder vinculado e no dever-poder discricional. Embora seja franqueado aos operadores do direito, pelo menos empiricamente, delinear claramente os mencionados deveres-poderes aos quais a Administração Pública deve observar para o exercício de suas atribuições, a lei permite a análise de uma mesma vertente sob diversos ângulos, tanto para o bem quanto para o mal. Assim é que a sempre desejável e necessária busca pelo interesse público [diga-se, em qualquer campo social] tem o viés de trazer, inoportunamente, como consequência áreas cinzentas capazes de ensejar distorções da norma e na aplicação desta.
Não é difícil imaginar o entrave e consternação que determinados players passaram a experimentar considerando que naquele momento o mercado da indústria farmacêutica estava passando por profundas e significativas transformações decorrente de fusões e incorporações e abertura de capital. Isto porque, a análise do portfólio de produtos de uma determinada empresa para avaliação de seus ativos, não raras as vezes tinha um ou outro [ou mesmo uma linha inteira] produtos iguais aos da incorporada cujo faturamento anual fora considerado para determinar o valor da transação comercial [aquisição] considerando sua respectiva EBIDTA [Earnings Before Interest/ Taxes, Depreciation and Amortization, que significa "Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização”]. Malgrado o processo lento e complicado de “transferência de titularidade” dos registros dos produtos da incorporada pela incorporadora junto a ANVISA que, per se, enseja a elaboração de outro artigo para tratar do tema, fato objetivo é que com o advento da nota técnica da CMED avalizada pela Procuradoria da ANVISA, instaurou-se uma verdadeira insegurança jurídica no meio empresarial.
O curioso é que a ANVISA lastreava tal entendimento [de que uma empresa não poderia ser titular de dois produtos idênticos assinalados por marcas distintas] assinalando que tal vedação estava inserida no dispositivo proibitivo constante na Lei da propriedade industrial, a saber, inciso XX do artigo 124 da LPI, pois, “inviabilizaria a concessão de novo registro baseado na lei propriedade intelectual (SIC) nº. 9.729/96”, nos seguintes termos: "Nesse diapasão insta finalmente asseverar que a lei nº. 9.279/96 veda que um mesmo produto seja registrado com duas marcas distintas, conforme se infere do disposto no seu artigo 124, inciso XX in litteris: Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) XX – dualidade de marcas de um só titular, para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas da mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva”. Como dito, com arrimo na interpretação conferida pela Procuradoria da ANVISA (do dispositivo proibitório supra mencionado), as gerências de medicamentos, responsáveis pela análise de cada um dos tipos de produtos farmacêuticos, começaram a ultimar as empresas e indeferir os registros daquelas que não concordavam com tal interpretação por concluir que “não é permitido que uma mesma empresa tenha dois registros do mesmo produto com nomes comerciais diferentes”.
À quatro, pois, relegava a um segundo plano outros aspectos inerentes à propriedade industrial, os quais tem o condão de distinguir um produto do outro, tais como o tradedress e o desenho industrial que podem ser aplicados às embalagens primárias e secundárias dos produtos farmacêuticos e cosméticos.
A legislação sanitária traz em seu texto normativo a vedação de que produtos submetidos ao registro não podem ostentar "marcas semelhantes para assinalar produtos de diferentes composições". Da simples leitura do dispositivo proibitivo supramencionado é possível verificar não apenas a tutela do interesse público - em evitar expor a população ao risco em adquirir produtos de diferentes composições por ocasião de serem assinalados por nomes semelhantes - como também a contradição com a vedação constante na Lei da propriedade industrial, conforme será oportunamente explorado.
oportunidade, ou seja, estes TEM que aplicar a lei, sob pena de, não o fazendo, praticarem ato manifestamente ilegal, suscetível de impugnação por via própria. A hipótese ventilada na lei é absolutamente cristalina, portanto, nestas circunstâncias sua aplicação não só é necessária, mas se trata de um imperativo, pois, parece não pairar dúvidas de que produtos “diferentes” assinalados por marcas iguais ou assemelhadas, de fato, ensejam risco à saúde da população. Diante de tal hipótese, no exercício de suas atribuições, compete sim à ANVISA proibir que seu administrado assinale seu produto com tal marca, ainda que determinada marca tenha sido analisada, processada e validamente concedida pelo INPI em reconhecimento à prevalência do interesse público, nos termos do artigo 2º caput da lei nº. 9.784/99. Todavia, a linha que separa o cumprimento do ordenamento jurídico e a persecução do interesse público dos atos arbitrários praticados pela Administração Pública, ao que tudo indica, parece ser tênue, frágil, de difícil delimitação, a ponto de se apresentarem nas formas mais diversas.
A dualidade de marca, dentro do contexto da propriedade industrial, visa reprimir a conduta anti-social, de um determinado titular que, sucessiva e sistematicamente, venha requerer, como marca, o mesmo signo distintivo, reiteradamente. A doutrina em uníssimo já delineou que a norma proibitiva aqui em análise deve ser interpretada à luz de seus reflexos sociais onde a intenção do legislador foi o de impedir que um determinado titular, por meio de sucessivos depósitos de marcas idênticas, fraudasse o instituto da caducidade eis que o redepósito de registro manteria indisponível a marca, apesar de caduco o seu primeiro registro. Jogando uma pá de cal sobre a questão, ato normativo n°. 123/94 do INPI que instituiu as Diretrizes de Análise de Marcas que define e exemplifica claramente as fls. 53/54 o que vem a ser “dualidade de marcas” aplicado na área farmacêutica:
e) se as marcas em cotejo possuem natureza diversa (específica x genérica), como, por exemplo:
PUISHI (antianêmico e complexo vitamínico) x PUISHI (medicamento em geral) – irregistrável “Ausentes estes fatos, inaplicável é a disposição contida nesta regra legal”. A par de tais considerações, temos que enquanto a ANVISA promove uma interpretação teratológica quanto a verdadeira exegese do dispositivo proibitivo mencionado o INPI define em sua Diretriz de Análise de marcas que a interpretação a ser conferida a tal dispositivo está em absoluta concordância com a própria legislação sanitária o que, forçoso concluir, nos remete ao fato de que a segunda entidade autárquica está muito mais de acordo, nessa hipótese em específico, com a persecução do interesse público. |
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